domingo, 28 de dezembro de 2008

Mudança


Finalmente chegara o dia. Depois de muita enrolação, desculpas e pretextos ele iria embora. "Até que enfim"- ela pensou - "Paz pra minha vida". Tudo devidamente empacotado. A mala, a cuia, a pia da cozinha. Nem os discos velhos, relíquias genuínas, ela quis. Pra que se desgastar com um negócio que ela nem teria onde tocar. Tralha por tralha, ele já vai deixar um monte pra trás. Ela já tinha mesmo aquele raro da Ella Fitzgerald em cd.

Na ultima viagem até o estacionamento do prédio, onde a caminhonete estava, ela ainda pensou em esbravejar. "Porra, é um preguiçoso mesmo. Se eu não carrego esses cacarecos, nunca que ele vai embora. Como fui agüentar esse traste tanto tempo?” 13 anos, sete meses e 22 dias para ser mais exato. E pela quinta vez estavam se separando, mas ao que tudo indicava dessa vez era definitivo. Não que as outras quatro não fossem. Mas os motivos de agora pareciam mais cabulosos. Nada de detalhes, ela apenas acredita que é justificável.

De volta ao apartamento, o meio vazio da sala, do escritório e do quarto soaram estranhamente. Um misto de alivio e angústia. Tinha se acostumado a viver com ele. Não que fosse a melhor experiência do mundo, mas a solidão também é inclemente. E se a lâmpada queimasse? Se o chuveiro estragasse. Teria que voltar a malhar, ou nunca mais compraria vidros de azeitona ou maionese com tampas herméticas. “A cruel constatação da utilidade masculina”, ela pensou e riu, meio sem graça.

Nunca quiseram filhos. “São brinquedos caros e úmidos”, ela dizia. Ele, o mais velho de 4 irmãos, já estava acostumado a cuidar de crianças, mas respeitava a decisão dela, e no fundo achava que ainda tinham que aproveitar mais a vida a dois. Tiveram um cachorro, que ele trouxe e a deu de presente de aniversário. Apesar de meio contrariada, aceitou. No primeiro xixi no carpete, cachorro, casinha, coleira e osso de borracha foram parar no sítio dos pais dele, no interior de Brejetuba.

As viagens eram um processo. Ele queria sossego. Passar uns momentos com ela, tão raros por conta da agitação, da correria. O doutorado dela, o restaurante dele. Ele saia na hora em que ela estava chegando. Um “Feitiço de Áquila” contemporâneo, permeado por frases curtas.

- Comprei aquela revista.
- Ah tá. Chegou carta pra você.
- Sua mãe me ligou. Depois fala com ela.
- Coloca o risoto no microondas.

Um beijo rápido e tchau.

Ela queria mais agitação. Nada de campo, interior, fazendinha. Queria metrópole. Cinema, teatro, baladas. Sair com os amigos. Uma vingança pessoal contra os anos da adolescência controlada por uma família tradicional. Os coleguinhas indo pras festinhas, viagens. Ela estudando e dando aula de catecismo para as crianças da igreja do bairro. Quem diria que as últimas duas vezes que pisou em uma foi para um casamento, e para uma missa de sétimo dia. Em ambos chegou nos dez minutos finais. E ainda sentiu um pouco de tédio.

Mas tinham gostos parecidos. Refinados. Apesar das diferenças, conseguiam rir das mesmas piadas, entender os mesmos textos e conceitos. Concordavam na escolha do restaurante, do vinho. Reclamavam da mesma crítica injusta feita ao novo filme dos Coen. Cantarolavam o mesmo trecho da música, completavam assoviando e tamborilavam na mesa do bar no mesmo ritmo.

Ele, mais metódico. Ela, mais afoita. A calma dele, a impulsividade dela. Uma “pororoca de sensações”, como diria o Xico Sá. Ou o Pereio. Ou nenhum dos dois, mas era isso. Contrapontos. Contrasensos. Contradições. Compensações.

O sexo era um primor. Magistral. Encaixe perfeito, sintonia. Um olhar. Um jeito diferente de rir. Uma insinuação mais leve e já estavam trepando. Sem preliminares, sem muitos diálogos ou mesuras. Só uma febre intensa. Algumas vezes, nem esperavam chegar na cama ou tirar a roupa completamente. E eram fodas homéricas. Daquela que mereceriam um nobel, uma medalha, uma menção honrosa nos anais (sem duplo sentido) do sexo mundial bem feito. Uma bem dada. Duas, três. A fadiga, o peito arfante, o suor, a ardência do “após”.

Mesmo assim, ela estava ali. Segurando a última caixa da mudança dele. Já nem está mais achando que o colchão que ele encomendara demorou tanto a chegar, por isso o atraso na mudança. A briga pelo aparelho de barbear novo dele, que ela usou pra raspar as axilas parece bobagem. A incompatibilidade de gênios, expressada pela diferente forma que eles apertavam o tubo de pasta de dentes soava como uma grande infantilidade. Olhou para ele, que amarrava umas coisas no carro. Passou a mão pelos olhos e deu uma fungada. Ele perguntou se ela tinha falado alguma coisa. “Não”, respondeu. “Mexer nessas coisas fez minha alergia vir a tona”.

- Acabei. Dá aqui essa caixa. Vou colocar lá na frente.
- Uhum. E as outras coisas? Você ainda deixou um monte aqui.
- É. Depois eu passo aqui pra pegar o resto.
- Quando?
- Ah, não sei. Talvez amanhã, ou depois.
- Vem amanhã. Eu faço aquele macarrão que você gosta.
- Você nunca fez macarrão. Eu que sempre cozinho.
- Tá. Eu compro um vinho então.
- Pode ser. Amanhã eu te ligo.
- Liga? Que horas?
- Não sei. A tarde.
- Liga de manhã. A tarde vou sair. Pra gente combinar direito
- Ok. Eu ligo. Tchau.
- Tchau. Mas liga cedo, tá? Vou ficar esperando.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Vá, Gina...vá...


Gostaria que as pessoas não pensassem que tenho soluções para todos os problemas..principalmente para os delas:


- Puta merda! Estamos fodidos. As paredes estão se fechando. Seremos esmagados.
- Ei, calma. Relaxa. O Marcello tá aqui.
- Grandes merdas. O que ele vai poder fazer pra nos salvar. Se sairmos daqui, ainda tem o campo minado e a selva equatorial cheia de animais selvagens para enfrentar.
- Porra, larga de ser pessimista. Marcello Miranda sempre dá um jeito. Ali, tá vendo. Ele já tá com aquela cara. E tirando alguma coisa do bolso.
- É mesmo. Eu tô vendo. O que será?
- Hehehe. Aposto que é alguma parafernália high-tech que só ele conhece. Ou algum composto explosivo que ele desenvolveu.
- Perai. Tá parecendo um palito. E é. Um Palito de dentes.
- Uai. Marcello. Ei, Marcello. O que você vai fazer com esse palito?
- Como assim, o que vou fazer com esse palito?
- É. O que vai fazer com ele?
- Ué. Palitar os dentes?!
- Mas, e nós?! O que faremos?
- Eu tenho mais um palito. Vocês dividem?

Só as mães são felizes


Eis que vem a pergunta:

- Mas mãe, porque eu não posso ir lá fora?

- Marquinhos, meu filho. Está chovendo. A mamãe já disse que você é um menino frágil, pode ser resfriar.

- Eu só quero jogar bola, mãe. Só um pouquinho. Tá todo mundo lá. Até o Vassoura, que a mãe é a maior chatona.

- Meu querido, um menino que tem o nome de Vassoura, nem deve ter mãe.

- Não é nome mãe, é apelido.

- Que seja, meu anjo. Você tem mãe. Zelosa, que só quer o seu bem. Não vou deixar você sair na chuva.

- Poxa mãe. E o que eu vou ficar fazendo aqui dentro de casa?

- Ah, tanta coisa. Você pode pintar, desenhar, ver televisão. Não está na hora dos desenhos? Vai passar aquele que você adora, do ursinho.

-Desenho mãe? Eu não sou mais criança...

- Ahhh, que lindinho. O meu homenzinho. Vai meu bem, pega aquele novelo ali pra mim, o azul.

-Tó. Olha mãe, a chuva tá passando. Posso ir agora?

- Meu bebê. Já falei que não. Obedeça a mamãe.

- Porra mãe. Você só me fode, heim?

- O que!?! Quem anda te ensinando esse palavreado? Aposto que é aquela vaca da sua mulher. Eu sabia. Desde o dia que aquela biscate colocou os pés aqui em casa eu vi que aquilo não valia nada. Assim você vai matar sua mãe, Marcos Augusto. Tudo por causa daquela vadia.

- Desculpa, mãe. Fica calma. Vou fazer um chá pra senhora.

- Obrigada, filhinho. Você é um amor. Agora vem cá, deixa a mamãe arrumar essa gola.

Dreeeeaaaammm, dream, dream, dream.


- Tá acordado?
- Hummm?!?!
- Você tá acordado?
- Uhumm...tô. Agora tô, né?
- Sonhei com a minha bunda.
- O que?!
- Minha bunda. Eu sonhei com ela.
- Como assim?
- Ué. Minha bunda. Eu olhava pra ela.
- Como você conseguia olhar pra sua própria bunda?
- É, isso que é estranho. Porque eu olhava ela de frente
- Peraí, de frente? Mas a bunda não é nas costas? Como você conseguiu olhar de frente?
- Não. Eu olhava pra ela. Ela estava na minha frente
- Mas então não era a sua bunda.
- Era sim. Eu sei que era. Eu consegui reconhecer. E tinha umas listras esquisitas.
- Tipo estrias?
- Não. Não eram estrias. Eram uns círculos concêntricos. Dispostos em sentido longitudinal.
- ...
- É, eu sei. Muito esquisito.
- Tá. Mas se ela estava na sua frente, que bunda é a que estava atrás de você?
- Heim?!
- Uai. Uma bunda não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo.
- É você tem razão.
- Vou beber água, você quer?
- Quero, mas não gelada. Mistura com água do filtro.

Coisa de Homem


- Ei, que porra é essa no seu pé?
- O que, meu amor?
- Aí no seu pé. Que merda é essa?
- O que tem no meu pé?
- Na unha, na unha. O que é isso?
- É esmalte. Vai dizer que nunca viu?
- Lógico que já vi. Dãã. Mas por que sua unha tá pintada de vermelho? E só no pé?
- Porque na mão descascou, eu tirei. Mas no pé fiquei com preguiça. Aí deixei.
- Puta merda. Fala sério.
- Fala sério você. Não acredito que vamos parar de transar porque você não gosta de esmalte vermelho na unha do pé.
- Não é que eu não goste. Eu ODEIO. Eu acho o fim da picada. Se vai tirar o esmalte da mão, tira do pé também. Que relaxo.
- Larga de ser bobo. Vai, continua fazendo aquilo. Tava booommmm...
- Não, não. Pára. Não vou conseguir. Vou ficar pensando no seu pé, na sua unha.
- Você não pode estar falando sério. Pára de viadagem.
- Ah tá. Agora eu sou viadinho.
- É. E tem mais. Tô indo embora. Eu e meu pé de unha vermelha.
- Porra. Calma aí. Vamos conversar. Deve ter acetona em algum lugar por aqui.