segunda-feira, 27 de julho de 2009

Pulinhos


- Que tal sermos honestos um com o outro?
- Heim?!
- Honestidade. Vamos confessar .
- Confessar o que, peste?
- Se você disser com quem me traiu e quantas vezes, eu faço o mesmo.
- Ui.

Mauro tinha recebido esses dias mais um daqueles textos que são creditados ao Jabor. Bem, pra ele qualquer porcaria escrita pelo Jeremias (“foi o cão que butô pá nóis bebê”) poderia ser do Arnaldo, visto que sempre o considerou um chato de marca maior. Mas esse lhe pareceu interessante por se tratar de uma das grandes contradições do universo: a mente feminina.

O texto dizia que as mulheres não esperam um homem perfeito. Bem, com base na interpretação das palavras de Jabor, concluiu que perfeição e fidelidade são quase sinonímias. Enfim, pra resumir, o texto dizia que as mulheres não apenas NÃO esperam um homem fiel, mas também entendem a necessidade “biológica” da traição, sobretudo masculina.

Olhou meio de soslaio pra tela do computador, e deu uma grande risada, que ecoou pela sala. “Besteira. Balela. Embuste. Engodo. Fraude”, bradou. Uma piada, na verdade. Olhou para o lado, e viu a cara intrigada de seu amigo Tuca. Pigarreou e bradou solenemente, com aquelas vozes de Zé Wilker, no “A vida como ela é”:

- Se a sua mulher disser que aceita uma traição, que é moderna, esclarecida, que entende que o homem deva mesmo dar suas escapadelas de vez em quando, desconfie.

E continuou: “olho vivo, rapaz”.

Ainda explicou a um aparvalhado Tuca sua teoria. Como diria aquele cara do seriado Carga Pesada: “é uma cilada, Bino”. Das duas uma: ou ela quer te pegar no flagra, pra poder te escrotizar, te acusar, pedir o divórcio e ficar com a casa de praia, ou quer é arranjar motivos pra te por um par de chifres. Guampas, como se diz no sul.

- Se você não tem vocação pra bambi, mas quer continuar dando seus saltitos, não caia nos ardis femininos - falou, com orgulho de seu próprio discurso.

Sempre se considerou um cara esperto. Namorava há muito tempo a Ju. Tinham até planos de se casar. Porém, na lógica de Jabor, ele tinha suas necessidades. Volta e meia cedia aos apelos da natureza e saia com outras garotas. Sempre tinha um álibi, uma desculpa na ponta da língua. Se bem que quase nunca precisava. Era um artista. Um maestro na arte de orquestrar safadezas. Mentia com a cara mais deslavada do mundo. Qualquer acusação mais firme, o fazia chegar às lagrimas.

No fundo, sentia que amava sua namorada, e que essas escapadelas não interferiam no gostar. Mas, no “day after” da putaria, sentindo uma leve ressaca moral, procurava fazer todas as vontades dela. Levava para jantar, para dançar. Arrumou um amigo suíço que contrabandeava chocolates (quem faz contrabando de chocolate?!). Gastava muito mais tempo no sexo oral, que ela adorava. Certa vez o sentimento de culpa foi tão grande que refletiu num deslocamento do maxilar. Ela gozou três vezes, ele foi direto pro ambulatório.

Só não contava que naquele domingo, logo pela manhã, Juliana ligasse e fizesse a intimação. Ainda meio grogue e com os olhos remelentos, ficou com a ordem ecoando por sua cabeça, como uma labirintite:

- Venha aqui agora, que eu preciso falar com você.

Enquanto tomava seu banho, começou a cogitar hipóteses. Provavelmente alguém o teria visto na esbórnia e contado a ela alguma coisa. Sorriu por se dar conta de que possuía um estoque quase inesgotável de desculpas. Certamente ela cairia mais uma vez. Terminou, desligou o chuveiro e foi se vestir. Pegou as chaves do carro e o celular. Teve a precaução de apagar todas as mensagens. Não podia correr riscos. Teve orgulho de sua engenhosidade.

Ela já estava na varanda quando ele chegou. Seus pais haviam ido à missa, e por isso estavam sozinhos. Poderiam conversar a vontade por algumas horas. Mas ela já foi recusando seu beijo, e indo direto ao assunto:

- Sei que você me trai, Mauro.
- O que? Tá maluca? fingiu espanto, e sentiu-se até ofendido.
- Olha só. Não adianta negar, eu sei. Mas também não quero brigar.
- Ju, você ta doida. Não sei porque ta falando isso.

Manteve a calma. Buscou seu repertório de pretextos. Se preciso fosse, alegaria insanidade temporária, amnésia alcoólica. Diria que prestou um serviço de caridade pra pobre mocinha que nunca havia beijado alguém e que morreria em poucos dias. Juraria pela mãe mortinha, e até por Farrinha, a cadela que realmente já tinha morrido. Sairia dessa, e ainda seria o grande injustiçado. Já pensava até no furico de Juliana, que seria sua compensação por tamanha desconfiança, quando foi interrompido:

- Só quero que você confesse. Só isso. – ela disse, com uma calma assustadora.
- Não tenho que o que confessar. – reagiu.
- Mauro, se você disser com quem saiu, eu também digo.

Tóim! Por essa ele não esperava. Como assim, ela confessar? “Será que essa vagabunda me chifrou?”. Ficou vermelho. Engasgou. Não conseguia pensar em mais nada. Ficou se imaginando como o motivo de piada dos amigos dela. Era corno, e ele não sabia como reagir.

- O que você tem pra me contar? – ele gritou.
- Fica calmo. Já disse que só conto se você me falar. Com quem, e quantas vezes.

Ficou acuado. Sentiu que ia se foder, mas não poderia ficar sem saber a verdade. Mataria Juliana e esganaria o safado. Ou faria o contrário, mas corno ele não ia ser.

- Ok. Vamos lá.Eu falo.
- Tá bom. Depois sou eu. – ela disse, tranquilamente.

Por mais de uma hora ela ouviu uma ladainha de nomes femininos. Alguns que ela já desconfiava, outros que ela nunca imaginou. Até primas e amigas tinham passado por ali. Apesar do espanto e dos esgares de nojo, mantinha uma passividade espantosa. Suas maiores reações eram de vez em quando um suspiro ou um levantar de sobrancelhas. Não disse uma só palavra, até ele ter terminado. Quando ele indicou que já não tinha mais ninguém, ela se pronunciou:

- Tá bom. Agora vai embora, e nunca mais apareça aqui.
- Opa. Peraí. Agora é a sua vez de falar. Com quem você me traiu? – disse, com os olhos vermelhos de raiva.

Foi curta e grossa:

- Nunca o traí, seu babaca
- ...

Entrou e bateu a porta. Ele ainda permaneceu ali tonto. Sentou na escada e sentiu o sangue escapar da cabeça. Sentiu-se branco, lívido, gelado. Teve medo de desmaiar, e foi cambaleando para o carro. Não sabia o que fazer, só queria ir embora, se esconder, escafeder. Deu partida e arrancou sem afivelar o cinto. Pegou o celular e ligou para ela. Não tinha certeza se queria xingá-la, ou pedir perdão. Nem teve muito tempo de decidir. Logo estava embaixo de um ônibus.

Dois meses depois, ainda estava no hospital quando recebeu o envelope. Com os dois braços engessados e o colete ortopédico, não conseguia sequer abrir o envelope. Riu da situação, e apesar das fraturas que o deixariam mais um tempo na cama, sentia-se um sortudo por não ter morrido. Deu uma olhada, e curioso pediu que a enfermeira lesse em voz alta o convite de casamento de Juliana.

5 comentários:

  1. Eu gosto do Jabor. Não que concorde com ele, mas pelo menos o que ele escreve me faz pensar. E desconstruir argumentos é legal!
    Fiquei com pena do Mauro no final. Não que eu seja a favor ou perdoaria uma traição, mas posso compreendê-lo.

    Beijos e borboleteios

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  2. (Boa Juuuu) heheheh... Essa história me lembra uma outra história =(

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  3. crônica de verdade. em todos os sentidos.

    beijooooo, chuchu

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  4. Por acaso o Henry McIllan é parente do YOHAN CRAUF TEODOLITO? Esse sim sabe o que se passa na cabeça das pessoas! KKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

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