quinta-feira, 6 de maio de 2010

Padaria


Esperava aflita. Sentada, batia os joelhos de nervoso. O esmalte Roxo-Mocinha da linha Impala Adriane Galisteu já tinha sido todo comido, tamanha a sua gastura. Nesse intervalo de meia hora em que ele havia ligado, já tomara mais de três cafés. Comeu um pão de queijo e olhava de soslaio pra um quindim. Quando finalmente tomou coragem pra pedir o doce, ele chegou. A cara não era das melhores, e antes até do bom dia já reclamou do calor.


Ela ignorou a rabugice, e deu-lhe um beijo estalado. Ele não deu importância. Aboletou-se na cadeira e pediu que ela também sentasse. Tenha modos, Martinha, ele disse, vendo que ela se sentava de qualquer jeito, mesmo de saia. Fez a festa da peãozada, que também tomava café por ali. Obedecendo, usou as mãos para tentar esconder a visão de sua calcinha amarelo vivo, que teimava em despontar por entre aquelas roliças coxas.


Na verdade, tanto fazia a calcinha aparecer ou não. Queria ouvir o que Augusto tinha a dizer. Seria finalmente o pedido? Desde o dia anterior, quando ele, com voz solene ligara dizendo ter algo de importante a falar, tinha calafrios só de imaginar que seria isso. Depois de sete anos, dez meses e vinte e três, quase vinte e quatro dias, a fortuna sorria pra ela. Iria se casar. Com véu, grinalda e flores de laranjeira.


Claro. Já não era mais virgem desde aquela noite chuvosa dentro do fusca de Augusto. Ele tinha sido sim o primeiro. Bem, primeiro, primeiro...teve o Serginho, o Lauro, o Pedroca. Mas foram só sarrinhos, mão no peitinho, dedinho maroto. Mas ali, enfiando, na real? Só o Augusto. 


Encerrou seus devaneios, e pediu que ele falasse logo. Brotoejas de excitação começavam a surgir entre as coxas. Só achava estranho o pedido ali, uma padaria? Mas claro. Augusto queria sondar o terreno. Nem faria o pedido oficial. Só queria ter certeza. Na certa, seria discreto, fingiria, só pra saber. Diria que um amigo está pensando em pedir a noiva em casamento, mas tem dúvidas, medo dela não aceitar. Claro que aceito, oras. 


Nem teve tempo de imaginar o churrasco de noivado. Ela, com seu vestido novo de viscolycra, ele, de bermuda cargo e mocassim de franjinha. Logo recebeu a pancada. Dura. Rápida. Seca. Acho que não dá mais. Quero terminar, disparou simplesmente.


Fora de uma frieza glacial. Cruel. Inclemente, como um guerreiro mongol. Ela ficou zonza. Sentiu esgares de azia. Ânsia de vomito. Aturdida, só teve tempo de pensar. Ainda bem que não pedi o quindim. Odeio vomitar doce. Sua pressão caiu. Apoiou a cabeça na mesa.


Já não o ouvia mais. Suas explicações do motivo ficaram ao vento. A menina nova que ele conhecera, a pouca idade, a falta de sintonia dos dois. Ela só pensava em parar de ver tudo rodando. E quando finalmente conseguiu, pediu uma água mineral. Bebeu o copo de um só gole. Respirou. Levantou os olhos. Puxou o ar. Olhou seriamente pra ele. Seus olhos grandes de personagem de mangá ficaram cerrados, tamanho o ódio.


Pensou em um milhão de impropérios, afrontas e injúrias pra dirigir a ele. Toda a dedicação, amor e zelo que lhe dedicara. Mas lhe faltavam forças. Só teve fôlego para constatar o óbvio.


- Seu grande filho de uma puta. Tanto lugar para me dar um pé na bunda, tinha que ser nessa padaria horrorosa?


Nesse momento, as xícaras pararam no ar. Um silêncio sepulcral só foi quebrado pelo ranger da cadeira de Martinha, que conseguiu se levantar. Girou nos calcanhares e saiu pisando duro. Foi ao balcão, pediu seis quindins pra viagem. Tirou umas notas amassadas da bolsa enquanto olhava para a atendente, pedindo cumplicidade. Voltou atrás. Guardou o dinheiro. Retornou à mesa, olhou mais uma vez para Augusto e lhe deu um retumbante e sonoro tapa. Um ui coletivo e abafado foi o que coroou o espetáculo. Antes de deixar a padaria, voltou ao balcão e disse com voz triunfante: ele paga. 


4 comentários:

  1. hahahaha

    Para um homem até que você tem dado ótimos finais para suas personagens mulheres...
    Pensei que tivesse abandonado o blog!! Não faça isso, os posts são mto divertidos!!!

    =*

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  2. Ehehehehee... adoreii!!!! Mesmo com um pé na bunda..as mulherem sabem se sair bem ao final de tudo! E ah... nao desapreça do blog, todo dia eu entro pra ver se tem atualização...hehhe! bjuus!

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  3. Muito prazer.

    Adorei o texto. Certamente, quando ela lança o olhar de cumplicidade para a atendente, retorna para o tapa e diz "ele paga", supriu grande parte do ódio existente.

    Adorei e ponto.

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  4. "Aturdida, só teve tempo de pensar. Ainda bem que não pedi o quindim. Odeio vomitar doce."
    Genial!

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