domingo, 27 de junho de 2010

Girando


Levantou-se só pra poder dar um soco no despertador, que pela segunda vez começava a tocar de forma estridente. Achou-o do outro lado da cama, apertou o botão de desligar e voltou a dormir. Mais cinco minutinhos, pensou.

Meia hora depois despertou de vez. Espreguiçou-se um pouco na cama, limpou um pouco de remela nos olhos, deu uma leve puxada na calcinha, que apesar de grande, teimava em se enfiar por entre aquelas duas bandas glúteas. Enfim, levantou. Foi saltitante até a cortina e abriu num só movimento as duas partes.

Sentiu vontade de fazer como nos filmes, ou nos comerciais de margarina. Abrir as janelas, respirar profundamente, contemplar o sol e dar bom dia aos passarinhos. Ficou com medo de parecer ridícula demais, até porque o dia estava escuro, nublado, com uma garoa fininha. Mas nada daquilo importava. Era uma nova mulher. Ou pelo menos ia tentar ao máximo se convencer disso.

Apesar do baixo astral, e da pontinha de tristeza, estava quase se sentindo realizada. A última semana, de brigas intensas, discussões terríveis e cenas vergonhosas ajudaram a tomar enfim a decisão. O dia mais feliz de sua vida foi quando se deu conta de que para nada precisava dele.

Afinal, trabalhava duro. Tinha seu próprio dinheiro e pagava suas contas em dia. Atrasar e pagar juros deixavam-na em pânico. Era organizada, coisa que ele não fazia a mínima questão de ser. Passou a acompanhar as dicas de moda dos estilistas da TV. Encurtou em alguns bons centímetros todas as roupas. Novo corte de cabelo e nova linha de esmaltes pra escolher. Pela primeira vez, resolveu inovar na depilação, mesmo que ninguém fosse ver.

Tomou até coragem de usar os conselhos dados pela revista Nova. Queria sair pela noite, frenética e enlouquecendo os homens em 15 passos, e aprender a gozar com o chuveirinho. Redescobriu as velhas amizades do tempo da escola. Embora um pouco gordas e com jeito de biscate, se tornaram boas companhias para sair. Sentiu-se um pouco deslocada no começo, por perceber que nada mais tinham em comum.  Na sua volta ao cenário noturno, conquistou o cara mais gato da boate. E conseguiu impressioná-lo: vomitou três vezes em seu carro, antes que ele a deixasse sentada, sozinha, na sala de espera do pronto socorro. No outro dia, ainda não refeita da vergonha, leu o singelo bilhete que ele havia deixado, dentro do seu bolso: “você é doida. Vai pro inferno, peste”. Tava enjoada demais até pra entender se ele estaria brincando ou não.

Tudo isso durou pouco. Até bem menos do que ela imaginava. Com o passar dos dias, começou a sentir uma tristeza, que foi aumentando gradativamente, a medida em que o tempo esfriava. Cansou da rua, da farra. Do trabalho, ia direto pra casa. Enfiava-se num moletom velho, tascava no pé uma meia colorida de algodão, e devorava pacotes giga de amendoim japonês, com aquele sempre famigerado e depressivo brigadeiro de colher, o companheiro inseparavel da fossa e dor de cotovelo. Chorava rios de lágrimas assistindo qualquer coisa, desde a maratona com todos os filmes do Patrick Swayze na tv a cabo, até o programa do Amaury Junior. Seu telefone vivia desligado, pois já cansara de inventar desculpas para não sair com suas amigas, e muito menos com os caras que tinha conhecido no bingo. Só sentia vontade de ligar pra uma pessoa. Ensaiou isso várias vezes, mas da última vez em que se falaram, prometeram mutuamente que aquela seria pra valer: chega. E deixava os dias passarem, arrastando correntes pela casa.

E ele? Bem. O dia mais feliz de sua vida foi quando se deu conta de que para nada precisava dela.

 

 

 

2 comentários:

  1. ééé... é sempre a mesma coisa...até parece que não conseguimos nos desligar das pessoas que nos fazem tanto mal!

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  2. "você é doida. Vai pro inferno, peste”

    Se doidice é a hipérbole da paixão, o inferno são os outros, e a peste é a dona do 'cabra'...

    Eu traduziria:

    "Vc é paixão ardente. Venha pra mim, eu sou seu".

    Tudo é questão de interpretação.

    Fui...

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