quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Teimosia


Não acreditava que alguém tivesse coragem de ligar àquela hora da manhã. Tá certo. Já passava das 9h, e ela estava mais do que atrasada. Ainda cogitava se iria ou não trabalhar. O som irritante perturbava e não a deixava pensar numa boa desculpa para ligar para o trabalho. Ficou puta. Não tinha levantado nem para desligar o despertador, que ficava longe de propósito, só para fazê-la ir até lá e forçadamente desligá-lo. Mas naquele frio? De madrugada levantou para fazer xixi e ao sentar na tábua sentiu como se sua bunda fosse uma balsa lançada aos náufragos de algum navio explorador da Antártida. Só de pensar em pisar no chão frio seus pelos eriçavam. “Cacete”, pensou. “Vou lá atender logo essa merda”. Enrolou-se no edredon e foi.

- Alô. Falou, com uma voz meio sonolenta, meio irritada.

- Você é foda. Fui dormir puto com você – despejou, sem nenhuma introdução ao assunto.

Não estava acreditando. Thiago, é você? Perguntou agora um pouco mais desperta por causa do susto. Tinham se visto na noite anterior, quando mais uma vez discutiram e não chegaram a lugar nenhum. Mesma coisa de sempre. Ela cobrava uma decisão, ele enrolava. Brigavam, trocavam um bom par de ofensas, e quando cansavam de bater boca, iam pro motel. Ele já preparava o rosto, sabia que levaria um belo tapa estalado e reclamações de que era um safado, um sem-vergonha, que só queria comê-la. Ele fingia um ar de ofensa. Simulava um “vamos embora agora”. Ela o mandava calar a boca, jogava-o na cama e obrigava-o a tirar logo a roupa. Já que estavam ali e teriam que pagar, que aproveitassem, ela resmungava. Era o sinal. E pronto. Duas, três horas de um bom exemplo de como se fazer sexo. Não eram de muitos malabarismos. Sem peripécias kama sútricas. Tinham suas três ou quatro posições favoritas e vez ou outra arriscavam algumas variações.

Fora uns gemidos e dois ou três palavrões, fodiam em um relativo silêncio, quase religioso. Como se qualquer palavra errada pudesse atrapalhar, ou afastar as outras sensações. O cheiro que exalava cada vez que ele metia com força. O suor, que se formava nas covinhas das costas dela. O hálito dele, com indícios de que tinha fumado novamente aqueles cigarros mentolados. Trepavam de olhos abertos. Ela adorava ficar olhando aquela cara de safado, a barba mal feita, a boca grande. Ele ficava doido com o sorriso dela. Amava cada expressão que saía de seus olhos. Trocavam de posição. Agora ele sentia o peso dela. Davam as mãos, entrelaçavam os dedos, e ela cavalgava com força. Jogava o cabelo pra trás, e ele juntava as pernas para melhor penetrá-la. Cansava, saía de cima e deitava. “Vai, me chupa”, ela pedia. Tinha saído com poucos caras, mas duvidava que alguém fizesse aquilo com a perícia dele. E justiça seja feita, era algo do qual ele se orgulhava. E na verdade, tinha um pouco de vaidade nisso. Adorava ouvir um “vou gozar” e acelerava as lambidas. Ela gritava e prendia a cabeça dele em suas pernas, que só paravam de tremer meia hora depois. Ficavam se olhando um pouco, descansavam, ficavam abraçados. Ela ia tomar banho. Ele ficava zapeando pelos canais pornô. Depois era a vez dele ir pro chuveiro. Vestiam-se. Ele a lembrava das duas vezes em que esquecera um dos brincos. Da última vez ligou pra ele de madrugada, e o fez voltar ao motel. Eram joias de família, lembranças da avó. Tinha dessas coisas.

Ele a deixava em casa, mas antes de sair do carro brigavam mais um pouco. Juravam não mais se ver. Ela não ligaria mais e, se caísse em tentação, que ele não atendesse. Mas voltava atrás. Detestava ser ignorada. Que ele atendesse, mas não cedesse ao apelo por um novo encontro. Ele só olhava assustado. Amava aquela peste. Só não tinha coragem de admitir. Tinha uma predisposição a complicar as coisas, um talento especial. Associava amor a relacionamentos. Relacionamentos a cobranças. Cobranças a...sabe-se lá. Já fora noivo duas vezes. Escolhas ruins, ou pelo menos inapropriadas para o momento. Enfim, estava ele aí, sem muita disposição para arriscar novamente. E enquanto ela falava, ele olhava para suas mãos. Vermelho vivo nas unhas. Anéis e algumas pulseiras. Lembrou que devia estar cheio de arranhões nas costas. Arderia mais tarde. Sorriu. Aspirou fundo. O cheiro dela estava em todo no carro. Ele lembraria dias. O tempo suficiente para um novo encontro, coisa que ela garantia que não aconteceria. Pelo menos até o próximo telefonema.

- Puto comigo? E por quê? – perguntou, já sentando no chão, e esperando a história.

- Porra. Você falou que saiu com um cara. Que estão “se conhecendo”. Ah, vai tomar no cu.

Ela riu do outro lado, e confirmou:

- É. E ele é um partidão. Mas quer saber? Acho que ainda prefiro você. A sua pegada.

Ele vacilou. O silêncio momentâneo indicava a confusão que devia ter se formado em sua cabeça. Ensaiou um resmungo, mas mudou o tom:

- Quer ir tomar café? Passo aí em meia hora. Depois te levo pro serviço.

- Hum. Não se preocupe. Hoje não vou. Já até liguei. Mas passe aqui sim. Vou tomar banho.

- Ok. Beijo.

Desligou. Ela sorriu. Sabia que ele demoraria bem mais do que meia hora. Ia dormir mais cinco minutinhos. A cama estava tão quentinha. Ah, sim. Tinha que inventar uma boa história pra não ter que ir trabalhar.

2 comentários:

  1. O silêncio é sempre indicativo de algo, né?

    ResponderExcluir
  2. Adorei os seus textos. É possível até identificar um estilo próprio de escrita. Pretendo ler todos e continuar acompanhando o seu trabalho.
    Parabéns mesmo!

    ResponderExcluir